Da cidade
A torre que todos veem e tudo vê
Portugal entra na Europa em 1986. Na verdade, era a Europa – no sentido das ideias e expressões sociais, económicas e culturais –, que entrava em força em Portugal. No decurso de uma viagem do Doutor José Vieira de Carvalho, com a sua equipa, a uma das capitais europeias, surge a ideia de edificação de uma torre de serviços no centro da cidade, no sentido de assim, por um lado, ser dada resposta às crescentes necessidades da máquina administrativa municipal e, por outro, garantir a projeção territorial da nova centralidade emergente.
Num contexto de desregulação pós-moderna, com o boom imobiliário da promoção privada espoletado a partir do final da década de 70 e durante os anos 80, o início de 90 é curiosamente marcado pela vontade da iniciativa pública acompanhar também a maré de desenvolvimento. O arquiteto António Machado e a sua equipa são novamente chamados, agora para projetar um edifício-torre.
Antes da consolidação do centro da cidade, em fortíssima expansão, a Torre Lidador constitui a expressão mais evidente da afirmação do poder, do conhecimento (no sentido de “inteligência”), da referenciação e da “supervisão” sobre um território de influência. A torre polariza, demarca, delimita um território, é o dispositivo “panótico” por excelência. Assinala ainda a antevisão futurística da evolução da cidade, já não à escala do concelho, mas da nova área metropolitana, que então se formava.
As torres são signos clássicos da cidade na história. Pontificam como símbolos do poder religioso, administrativo e, mais recentemente, do poder económico das grandes multinacionais. A torre da Maia é ímpar na forma da cidade, visível a quilómetros de distância, desde várias das vias arteriais que atravessam o território a norte do Porto. Apesar da controvérsia que gerou e ainda gera, constitui uma peça incontornável da cidade e um exercício verdadeiramente precursor na história da arquitetura portuguesa, em matéria de conceção de edifícios em altura.
Da arquitetura
Construir o campanário da Câmara Municipal
A Torre Lidador surge da necessidade de ampliação dos Paços do Concelho. Por esse motivo, o novo volume implanta-se na proximidade do primeiro edifício, a nascente, sendo a contiguidade garantida por uma ligação ao nível do rés-do-chão.
A proposta para a conformação da ampliação em torre decorre de considerações importantes, para além das questões associadas à inserção de uma “carga programática elevada” naquele local condicionado: 1) “a definição de uma estrutura hierárquica urbana”; 2) “a consolidação de uma morfologia e malha urbana”; 3) “a criação de um ponto de referência e de orientação no concelho”.
Das considerações que justificam a forma construída salienta-se a capacidade de referenciar o poder autárquico na generalidade do território onde assenta a Maia. Esta valência, inerente à afirmação da verticalidade do volume no espaço, não deixa de ser um exercício desenvolvido com cuidado ao nível da forma, naquilo que respeita à sua composição, materialidade e construção.
A torre permitiu configurar na Praça do Município a composição clássica da arquitetura civil de exceção. A colagem da verticalidade introduziu uma espécie de campanário pós-moderno no edifício dos Paços do Concelho.
No anteprojeto, de 1992, a torre conta apenas com 17 pisos; no entanto, com o projeto, de 1996/97, a forma torna-se mais esbelta com a adição de mais cinco pisos. O ajuste da altura total garantiu que a relação compositiva das diferentes partes da volumetria adquirisse outra dinâmica proporcional, sobretudo na metade nascente, onde se introduz um desenho mais complexo para integrar a torre na escala urbana da Rua Engenheiro Duarte Pacheco, com a divisão da verticalidade numa espécie de sobreposição de duas ordens, pela relação proporcional 7/15 pisos.
Da materialidade / construção interessa evidenciar a natureza representacional de uma aparência leve em contraponto com o peso do edifício principal dos Paços do Concelho. Algo conseguido pela fenomenologia do vidro, que define a maior parte das superfícies curvas da torre.