#04 Mercado do Castêlo da Maia

António Machado

Da cidade
O lugar das trocas na rua da estrada

O projeto do Mercado do Castêlo da Maia não está no centro da cidade da Maia. Tal como o complexo industrial AAA, esta obra tem uma localização relativamente excêntrica, desta vez para norte do centro “canónico”. Mas, também como aquele caso, constitui um exemplo da formação da cidade – à margem da antiga estrada Porto-Braga, testemunha os efeitos afinal antigos da “rua da estrada” [DOMINGUES, Álvaro, 2009] e a densificação linear ao longo do eixo norte-sul que, na interseção com o eixo nascente-poente da EN 107, veio potenciar a constituição do centro em Barreiros e o destino multipolar da Maia.

No contexto de partida, o poder autárquico era tremendamente limitado. Tudo estava centralizado em Lisboa, a capital do regime e do financiamento público, minuciosamente controlado. Este facto condicionou todo o processo de projeto e de construção da obra.

Os constrangimentos espaciais da localização do mercado antigo no monte de Santo Ovídeo e as vantagens de proximidade ao eixo viário justificaram a relocalização para a cota baixa, num espaço mais propício ao desenvolvimento urbano, à edificação e ao acesso de pessoas e mercadorias.

Estabeleceu-se que a entrada principal do mercado ficaria a sul, volvida à Rua da Igreja, contornando a “impossibilidade” estatal de acesso direto a partir da estrada nacional, com a reserva de previsão, que existe pelo menos desde 1959, da “necessidade da construção duma variante à EN 14 passando exteriormente à povoação do Castêlo da Maia”. A profecia vai agora, finalmente, cumprir-se.

É um exemplar do modernismo contextualista, dos que são raros fora das cidades. Marca o “lugar das trocas”. É um signo remoto da “centropolis”, um fórum cívico. E está pendurado num eixo de “máxima acessibilidade”, como é suposto. Ousa ordenar um território alargado, com efeitos muito para além do desenho das extraordinárias palas sobre a praça. Mesmo intramuros, é um dos primeiros projetos de espaço público da Maia e releva o papel estratégico que a arquitetura pode ter no jogo do desenvolvimento urbano. Mesmo sem planos, pode e deve haver planeamento.

Da arquitetura
Um abrigo para a feira

Mais a norte do centro da Maia, mesmo junto da rotunda em que a Rua da Igreja entronca com a EN 14, podemos encontrar o Mercado do Castêlo da Maia.

A feira já era habitual acontecer no mercado a céu aberto, localizado numa pendente do Monte de Santo Ovídeo. De resto, este espaço ainda existe, embora hoje seja designado por Parque de Santo Ovídeo. É reconhecidamente em 1949 que se inicia formalmente o processo moroso que iria determinar a realização da nova morada para a feira. Muitas vezes referimo-nos ao projeto de arquitetura como se este fosse praticamente constituído por elementos desenhados – que representam as formas a construir. Contudo, neste caso, foi relevante outro tipo de documento – normalmente desvalorizado –, produzido, tanto pelo próprio autor, como por outros intervenientes decisivos para o desenvolvimento do processo: a correspondência escrita oficial.

Os vários ofícios trocados pelo então Presidente da Câmara Municipal, o Coronel Carlos José Moreira, com altos representantes do Ministério das Obras Públicas e com o próprio autor da obra demonstram alguns dos motivos que podem justificar a demora de todo o processo para, assim, compreendermos o momento-chave: a construção do novo mercado, de 1962 a 1964, com trabalhos de ampliação e construção de abrigos entre 1965 e 1966.

Da forma construída é de realçar que se trata de um recinto – quase totalmente – delimitado por um muro a meia altura em granito. Este interrompe-se a poente para dar lugar ao gradeamento e às entradas principais e, simultaneamente, serve de muro de contenção, sobretudo do lado sul. Todo o recinto do mercado é uma grande plataforma retangular onde se encontram dispostas ortogonalmente várias construções, das quais se evidenciam vários conjuntos de palas com uma estrutura em betão de cariz modular e de geometria dinâmica, com consolas ousadas e extremamente leves, onde grande parte dos vendedores encontram o necessário abrigo para exporem de modo organizado os seus produtos. 

2 comentários

    1. O mercado do Castêlo da Maia é da autoria do arquiteto António Machado (numa fase em que era parceiro do arquiteto Manuel Rodrigues), o mesmo autor da Câmara Municipal e da Torre Lidador.
      A data do projeto / construção é do início da década de 60 (1960-1965).
      As informações mais detalhadas podem ser verificadas no livro em formato digital disponibilizado no site da câmara municipal, no âmbito da obra #04, através do seguinte link público:

      https://www.cm-maia.pt/cultura/estorias-e-memorias/publicacoes/livro-mam_21

      Muito obrigado.

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