#05 Conjunto Habitacional do Sobreiro

Alexandre Vasconcelos (FFH)

Da cidade
Projetar no centro da periferia e habitar na periferia do centro

A cidade não existe sem pessoas. Ainda que o centro seja, por definição, o lugar das funções direcionais, habitar é a função primordial da cidade. Depois do 25 de abril, o Estado promove grandes conjuntos habitacionais, em resposta às gravíssimas necessidades do país. A liberdade alimentou as utopias sobre a cidade e a urgência do direito à habitação abriu caminho à experimentação de novos sistemas construtivos.

O contexto da intervenção era um território rural e sem densidade, na periferia do Porto – e não no centro da Maia. E não há dúvida de que a proposta urbanística era radical: 63 blocos habitacionais com 4 pisos acima do solo e 4 torres, 666 habitações, com equipamentos, espaços verdes e áreas comerciais e serviços. A abordagem de Alexandre Vasconcelos, arquiteto do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), merece hoje ser valorizada. O conjunto foi um dos motores do desenvolvimento do centro da Maia, desde logo pela enorme capacidade de fixação populacional.

Apesar dos impasses em “cul-de-sac”, dos volumes livres e da aplicação de alguns princípios funcionalistas, a urbanização procurou integrar a matriz urbana e a relação com o contexto. Dialoga com a antiga estrada Porto-Braga, define um novo eixo principal, a Rua Central do Sobreiro, que articula, como um bypass, o centro administrativo e as ligações aos eixos viários da antiga EN 14 e da EN 107, e só é pena que não tenha sido concretizada uma das ideias de projeto – a ligação histórica da Rua Padre Luís Campos. Sem conhecimento de tal desígnio, a regeneração em curso do Bairro do Sobreiro abriu um novo arruamento que recupera aquela ideia, dando sentido à lógica do “palimpsesto”, às formas urbanas que subsistem na estrutura das cidades, submergindo e emergindo no tempo.

Não há dúvida de que o Bairro do Sobreiro, sendo expressão das primeiras políticas públicas de habitação do período democrático, contribuiu para a densificação do centro da cidade da Maia. E apesar do estigma da habitação social, é impossível não reconhecer as qualidades da arquitetura do passado na definição do urbanismo do presente – a escala humana, a relação dos edifícios com a envolvente, a exposição solar, a qualidade dos espaços, a resiliência e a capacidade de adaptação da arquitetura, que nem demolições nem obras de grande reabilitação conseguem subverter.

Da arquitetura
Do pragmatismo das formas e da habitação social nos anos 70  

O conjunto habitacional, normalmente designado por Bairro do Sobreiro, ocupa uma área considerável do centro da Maia. Tem uma expressão significativa dentro do perímetro definido pelos seguintes arruamentos: Avenida D. Manuel II, Rua Eng.º Duarte Pacheco e Rua Altino Coelho.

O conjunto habitacional destaca-se consideravelmente da envolvente devido à identidade da sua forma urbana, de fundamentação modernista: edifícios soltos, envolvidos totalmente por espaço público e idealmente verde. Perante esta condição de referência, o bairro define-se claramente em contraponto com as formas circundantes, em grande parte por estas integrarem componentes da urbanidade clássica: construções paralelas aos arruamentos (à face ou recuadas) e também os lotes que, em si, definem áreas significativas de espaço não construído privado (jardins, hortas, anexos, etc.). Este contraponto mostra-nos um pouco daquilo que foram muitas das intervenções nas cidades europeias nas décadas que se seguiram à Segunda Grande Guerra, designadamente na periferia de Paris, que o arquiteto Alexandre Vasconcelos conheceu de perto.

O pragmatismo das formas urbanas e arquitetónicas modernas encontra grande parte da sua fundamentação nas políticas de gestão dos poderes centrais em resposta às calamidades sociais emergentes (expostas por bairros de barracas e bairros clandestinos). No caso português, o FFH (Fundo de Fomento da Habitação, fundado em 1969), mesmo depois da Revolução de 1974, continuou a promover a habitação social para arrendamento a estratos sociais desfavorecidos e os seus arquitetos encontram na gramática modernista mecanismos formais importantes para uma gestão económica de recursos imprescindível na época.

O caso do Bairro do Sobreiro é um exemplo desse contexto, em que a sistematização e a pré-fabricação foram determinantes: 1) os edifícios são blocos-tipo e torres-tipo implantados maioritariamente segundo a orientação norte-sul; 2) tanto nos blocos, como nas torres, todos os pisos acima do rés-do-chão são pisos-tipo, em que os sistemas de circulação são garantidamente restritos ao mínimo imprescindível na articulação com as tipologias; 3) o sistema construtivo genérico fundamenta-se na estrutura em betão pilar-viga (nas torres), no inovador sistema pré-fabricado de “construção-túnel” (nos blocos) e nas alvenarias de tijolo e bloco de betão celular autoclavado, rebocadas, integrando outros elementos pré-fabricados em betão, nomeadamente proteções de vãos de lavandarias e peitoris.

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