Fernando Lopes Laranjeira
Da cidade
Arquitetura cooperativa na melhor paisagem do centro
A partir da década de 70, e sobretudo no início da década de 80, como outros aglomerados “periféricos” do Porto, a vila da Maia passou a constituir uma área de residência permanente para uma população empregada na cidade do Porto, nas indústrias deslocadas para a periferia e nos pequenos serviços de proximidade que iam surgindo. Num processo sucedâneo da urbanização linear, ao longo da antiga estrada Porto-Braga, surgem várias urbanizações residenciais e loteamentos, muitos deles promovidos por cooperativas de habitação económica.
Sob a forma de um loteamento de grandes dimensões, aprovado no final do mandato do Dr. Jorge Catarino, o primeiro presidente eleito após o 25 de abril, a Urbanização Novo Rumo é a mais interessante expressão do movimento cooperativo na Maia e é talvez o caso em que a arquitetura habitacional mais definiu a forma da cidade, em articulação com as primeiras abordagens de planeamento urbano da cidade.
A sua conceção teve em atenção e respeitou a nova estrutura viária definida pelo Anteplano de Urbanização da Vila da Maia, da autoria do arquiteto Jorge Gigante, elaborado em 1966 (aditamento), designadamente o traçado do anel viário que delimitava o perímetro urbano da vila, correspondente às curvas da delimitação poente dos núcleos da urbanização, que veio a ser executado parcialmente sob a designação de Via Periférica.
O projeto da Urbanização Novo Rumo considerou ainda vários estudos urbanísticos de implantação de manchas edificadas decorrentes do referido anteplano, mas assumiu uma nova composição morfológica, mais orgânica. O extensíssimo processo, que inclui o desenvolvimento individualizado e detalhado de grande parte dos edifícios habitacionais, evidencia uma dimensão da abordagem arquitetónica que não tem paralelo noutras situações congéneres, e que muito contribuiu para a qualificação da forma da cidade, integrando, paulatinamente, o desenho de diversos espaços intersticiais não edificados, públicos e de utilização pública.
Na chegada à Maia a partir da Via Norte, e contando mais de 35 anos, a Novo Rumo empresta à forma da cidade uma paisagem delicadamente ordenada, que harmoniza as dissonâncias e variações de cérceas, alinhamentos, cores e volumes do centro.
Da arquitetura
Da habitação e do espaço entre a habitação
A urbanização tem uma área significativa no contexto do tecido urbano em torno do centro da Maia. A intervenção evidencia-se na mancha construída em conjunto com a franja verde que acompanha o troço da EN 14 – entre a Rua Visconde de Barreiros (norte) e a Via Periférica (sul) –, onde encaixa a Estação do Metro Parque Maia (viaduto) e onde também é integrado o Parque Novo Rumo.
A proposta organiza-se em quatro unidades urbanas: dois núcleos de habitação unifamiliar, ambos a poente, um núcleo de habitação coletiva, a nascente/sul, e ainda um outro núcleo de habitação coletiva, a norte, junto à Rua do Viso, ligeiramente deslocado da composição global.
Das formas da primeira, salientam-se as unidades-tipo (três ao todo, cada uma com três variantes; a orientação solar das casas explica parte das variações, consoante a frente das casas se exponha a norte ou a sul; contemplam casas com cobertura inclinada, dois pisos, duas ou três frentes, afastadas da rua por jardins na respetiva parcela) e as suas agregações em banda, em conjuntos que podem ir de 5 até 11 unidades, sendo também, na maioria, com implantação desalinhada.
Das formas da habitação coletiva, evidenciam-se, no caso da unidade nascente, as tipologias (T2, T3 e T4), as unidades-tipo (geminação de fogos de tipologia igual em torno das circulações verticais centrais) e a agregação, que define dois conjuntos em “U”, irregulares pelo desalinhamento sucessivo dessas mesmas unidades-tipo. Nestes dois conjuntos é importante referir que no rés-do-chão existe uma galeria comercial (voltada para a Avenida Novo Rumo e para a Praça Almada Negreiros) e os volumes variam entre R/C+2, R/C+3, R/C+4 e R/C+7 pisos.
Esta gramática da casa contribui decisivamente para a atmosfera que sentimos quando circulamos pelas ruas e jardins da intervenção. E que é, muitas vezes, de um certo déjà vu, sob uma sensação de conforto, que, provavelmente, se pode explicar pelo modo como se organiza, hierarquiza e caracteriza o espaço público, sem menosprezar o espaço privado das próprias habitações, como se se tivesse conseguido a síntese entre alguns princípios da “cidade clássica” e da “cidade-jardim”. Esta sensação de conforto remete-nos para a revisitação de experiências de espaços urbanos como aqueles das Siedlungen (1910-1933), na Alemanha, ou as New Towns de segunda geração, da década de 60, no Reino Unido. Casos onde a habitação é o programa central, sem deixar de existir cuidado no modo como se desenha o espaço não edificado.