Alfredo Ascensão, Laura Tavares e André Santos
Da cidade
Um novo ciclo, um novo espaço público
No final da década de 90, o projeto do Parque Central da Maia inaugura um novo ciclo de construção do centro da cidade. A arquitetura era catapultada pelos media. A sociedade reconhecia finalmente o seu papel profilático e terapêutico, para a cura dos males da cidade – o crescimento imobiliário desregulado, a descontinuidade das formas urbanas e a invasão dos espaços pelo automóvel.
Numa espécie de vazio urbano ainda expectante, à frente do edifício Venepor, um dos frutos mais potentes da explosão imobiliária da década de 80, onde se precipitava o declínio da primeira geração de centros comerciais, a cidade precisava de tudo menos betão, e pedia um parque, com toda a ambiguidade semântica que parque pode ter: um parque com árvores; um parque automóvel; um parque lúdico. Um parque com qualidade de vida e os ingredientes de um centro.
Preparava-se mais um assalto imobiliário, com 3 torres, mesmo ao lado do antigo horto municipal, enquanto à face da rua, o revolucionário Simão Bolívar assistia incrédulo à colonização pós-moderna de muitas e variadas arquiteturas. Foi possível, contudo, reverter o destino do lugar e inicia-se, de facto, um novo ciclo na cidade, o ciclo do primado do espaço público, do planeamento e da arquitetura.
Com um programa complexo, o aparcamento é relegado para o subsolo, libertando a superfície para o desenho do novo espaço público referencial, com múltiplos signos, formas e funções, onde se sobrepõem as quatro dimensões formuladas por Edward W. Soja [1996] para a condição central – a praça, a torre (do relógio), o jardim, a estatuária, a água, os espaços do lazer, serviços e ainda as ligações à interface de transportes públicos e ao metro.
O conceito originário assenta na exploração dos eixos fundadores da própria cidade – o cruzamento do Cardus e do Decumanus, desenvolvendo uma composição rigorosamente modulada, com abordagens diversas na relação com as diversas frentes da cidade – por um lado, a abertura e a continuidade, mas também o controlo e a delimitação (veja-se, em particular, a ampla pala suspensa a poente, como um filtro da “cidade fragmentada”). O Parque Central da Maia é, na sua complexidade, a expressão primeira da consolidação da forma do centro cidade, através da aposta no desenho do espaço público.
Da arquitetura
A grande plataforma de espaço público: a ponta do iceberg
A intervenção inscreve-se no polígono definido pela Rua Padre António (onde se localiza a estação do Metro Fórum Maia) e a Rua Simão Bolívar, numa área de espaço público considerável e na proximidade do Edifício dos Paços do Concelho e do Centro Cívico.
A proposta é uma espécie de sistema organizativo do território para o qual se orientam conjuntos de edifícios com cérceas significativas, como o do Centro Comercial Venepor ou o Hotel Premium-Maia e outros semelhantes. Concetualmente, trata-se de uma grande plataforma que procura estabelecer potenciais articulações espaciais qualificadas com esta envolvente massivamente construída. Para o efeito, essa plataforma subdivide-se funcionalmente em pequenas zonas interligadas por percursos pedonais (através de passadiços, rampas ou escadas), utilizando a racionalidade de uma matriz ortogonal como base da composição e, simultaneamente, como argumento divisor do espaço público ao nível do rés-do-chão: a nascente, imediatamente no confronto com o Fórum da Maia, existe um jardim; a sul, em frente ao centro comercial, configura-se uma grande praça; a poente, um volume com áreas comerciais faz a transição da cota alta da praça para a cota baixa da rua, conferindo ao perfil do arruamento uma simetria funcional; a norte, um outro jardim, seccionado por um jogo de muros e volumes (pavilhões do salão de chá e de squash).
A disposição da construção no espaço evidencia-se através do jogo de planos horizontais (palas) e planos verticais (janelas, muros e paredes) de gosto neoplástico. Esta condição de atenuar a presença dos volumes funcionais parece querer garantir uma maior subtileza e continuidade entre os espaços interiores e exteriores. Por este motivo, toda a intervenção parece assumir uma certa presença ausente, sobretudo perante a densidade da envolvente.
Contudo, a proposta do Parque Central não se resume à grande plataforma térrea, pois, uma parte significativa do programa da intervenção encontra-se debaixo de terra: estacionamento organizado em 6 meios-pisos (3 pisos desalinhados), com 723 lugares. Deste modo, podemos afirmar que a plataforma não é mais do que a ponta do iceberg.