#09 Edifício de Habitação Coletiva

Eduardo Souto de Moura

Da cidade
Arquitetura icónica para habitar

Na narrativa da construção da cidade, o edifício de habitação coletiva na Rua da Cavada representa, uma vez mais, a vocação primordial da cidade – habitar. Contudo, a razão da inclusão desta obra no rol de casos selecionado relaciona-se com o facto de constituir um exemplo singular de um dos processos mais convencionais de fazer cidade – a edificação produzida através da figura do loteamento e das respetivas obras de urbanização.

O edifício representa assim um conjunto vasto de edifícios resultantes de operações de loteamento, com preocupações evidentes de qualificação da imagem da arquitetura e do desenho da cidade, na viragem do milénio, no centro da Maia. Na ausência de uma prática arreigada de desenho formal mais ou menos extensivo da cidade, e, à luz de um modelo urbanístico praticamente fundado no ordenamento genérico dos planos diretores municipais, foi a gestão urbanística das obras particulares, com todas as idiossincrasias da incerteza nos limites da (des)regulação, que melhor definiu a forma das cidades nas últimas décadas.

A arquitetura abstrata do edifício inverte o modelo funcionalista da casa “máquina de habitar” e propõe o desafio icónico de “habitar numa máquina”. Traduz, no âmbito da promoção privada, a projeção de uma nova imagem para a cidade, replicando a abordagem fortemente simbólica das grandes obras públicas do centro da cidade, através da arquitetura.

No contexto de desenvolvimento do Plano de Pormenor do Novo Centro Direcional da Maia, o edifício ensaia uma conceção tipológica e volumétrica que foi considerada na composição do próprio plano e que a cidade, curiosamente, foi adotando e repetindo – a composição a partir de conjuntos edificados de blocos lineares isolados, trabalhando todas as frentes, com uma profundidade aproximada de 17 metros e uma implantação abaixo do solo mais ampla, estendida para o lado do logradouro coletivo que não existe, para garantir a otimização dos espaços de aparcamento e o aproveitamento máximo do não edificado para espaço público.

Da arquitetura
Do object trouvé e da pele significante

O edifício implanta-se na Urbanização Portas da Maia, nomeadamente na Praceta da Cavada. 

O retângulo de 45 por 17 metros de implantação é a base geométrica do bloco de habitação que se destaca da envolvente, inclusivamente dos seus congéneres tipo-morfológicos. Esta observação não é alheia à condição aparente do edifício: um grande volume metálico pousado sobre o plano de um espaço ajardinado público.

O paralelepípedo totalmente revestido com lâminas prateadas parece, sem dúvida, o produto de um exercício de translação e de transformação, que permite importar concetualmente, de outro contexto real, um determinado objeto para o considerar como a base formal de outra coisa nova. Sob esta interpretação, neste caso, a denominação vernácula-popular “radiador” é, com naturalidade, algo que nos remete para um object trouvé, escalado e convertido em arquitetura, sem complexos. O exercício de conversão da ideia em forma mostra a sua faceta criativa de origem surrealista, embora o edifício não resulte da simples mimetização do objeto-referência – comum num contexto das formas sem programa funcional, como nas esculturas de Claes Oldenburg.

Na arquitetura a função é determinante e condicionadora para qualquer forma construída e respetivo significado. Mais crítica é essa tensão forma / função quanto mais abstrato é o significado, como por exemplo quando procuramos definir um caráter minimalista nos edifícios. No caso do edifício de habitação da Praceta da Cavada a identidade minimalista é o próprio bloco metálico, sentido por muitos transeuntes como um objeto não-arquitetura, no sentido de, num primeiro relance, parecer ser uma caixa metálica gigante que alguém deixou pousada naquele tapete verde. Contudo, se nesse primeiro relance existe essa impressão, nos momentos seguintes, sabemos reconhecer que se trata de uma forma-arquitetura, sobretudo através do reconhecimento de alguns elementos formais (portas e janelas) que se vão mostrando sob a pele metálica que veste praticamente toda a massa edificada. A descoberta da qualidade funcional é tão mais rápida quanto mais a pele significantese desvanece pelas dinâmicas quotidianas constituídas pelo habitar do edifício.

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