Eduardo Souto de Moura
Da cidade
O plano que se fez projeto que se fez processo de fazer cidade
Em 1995, num momento crítico do crescimento desenfreado da cidade, o arquiteto Eduardo Souto de Moura é chamado para desenvolver o designado Plano de Pormenor do Novo Centro Direcional da Maia (PPNCDM), isto é, o instrumento que estabeleceria as bases da consolidação da cidade, através da definição de regras de construção e de ordenamento urbanístico do espaço público e do edificado, na envolvente da Praça do Município e dos arruamentos nela convergentes.
Cedo se conclui que a abordagem que um plano pressupõe não responderia à urgência de um exercício catalisador da consolidação do centro e da projeção da cidade. Os Paços do Concelho ainda não tinham praça. É por isso que o processo de planeamento se converte, inicialmente, no projeto de execução da Praça do Município e da sua envolvente próxima. Propõe-se uma nova visão da cidade, focada no ordenamento clássico do espaço público da “centropolis”. Entre o projeto e o plano, define-se uma gramática, traduzida em tipos construtivos, pormenores e regras “informais”, porque nunca traduzidas num regulamento com força de lei.
O processo de projeto é extensíssimo e diversificado. O centro da cidade é desenhado da escala 1:10.000 à escala 1:1. Da via arterial ao parafuso. E o trabalho não se limita ao desenho do espaço público – ao longo de anos, Souto de Moura colabora com os serviços municipais responsáveis pela gestão urbanística. A composição das frentes da Avenida Visconde de Barreiros e a definição volumétrica do edifício Maia Trade Center são frutos deste processo.
A partir do ano 2000 dá-se o regresso ao desenvolvimento do PPNCDM. Depois de várias versões, a crise do “subprime” inviabiliza a estratégia ambiciosa do plano – que previa a demolição total do Bairro do Sobreiro – e a formalização definitiva do instrumento de gestão territorial não acontece. Muitas das suas definições estratégicas e morfológicas determinaram, no entanto, a evolução da cidade:
1) A consolidação do centro prosseguiu contemplando diversas especificações do designado Setor A (Praça do Município e arruamentos convergentes).
2) E quanto ao proposto para o Setor B do plano: as vedações da zona desportiva foram mesmo arrasadas e um parque, ainda que menor, surgiu sobre os escombros das piscinas olímpicas; o Bairro do Sobreiro foi parcialmente demolido e o grande parque urbano que se previa para o seu miolo deslocou-se ligeiramente para norte e deu origem a um jardim com mais de 2 hectares; a Praça do Oxigénio já tem obras de urbanização e prevê-se, a curto prazo, a construção de alguns novos edifícios que respeitam as volumetrias previstas.
Apesar da complexidade aqui indizível, o tempo permite hoje uma leitura original dos processos da obra da Praça e do Plano de Pormenor, no sentido em que constituem uma expressão concreta e possível do “planeamento de geometria variável”, que Nuno Portas sonhava.
Da arquitetura
Tecer o tapete para a sala de estar
A Praça do Doutor José Vieira de Carvalho é o “epicentro” da Maia. É o recetáculo da identidade de todo o concelho e onde o edifício dos Paços do Concelho e a Torre Lidador encontram o seu enquadramento formal completo clássico: a trilogia bloco / torre / plataforma.
Como sabemos, a formação do centro da Maia é recente, pois deu-se início à sua afirmação há pouco mais de 40 anos, com a encomenda do projeto para o edifício dos Paços do Concelho. Desde então que se reconheceu a importância de consolidar o centro do município através de edifícios singulares, como o Centro Cívico, e, também, através de edifícios comuns, com vários pisos, que associam o comércio no rés-do-chão com habitação ou escritórios nos pisos superiores.
Foi uma consolidação sustentada, sobretudo, pela forma edificada, em que o espaço entre edifícios – ou forma não edificada – foi sendo considerado apenas como um suporte pragmático dos fluxos urbanos. Por esse motivo, muito do desenho urbano da forma não edificada foi sendo assumido através da permanência das formas do passado ou da sua adaptação a novas exigências funcionais ou, ainda, pela introdução de novas formalidades, mas pouco ou nada articuladas com os espaços envolventes do mesmo tipo. Algo que acabou por determinar que o espaço público fosse o resultado de um somatório de muitos fragmentos interligados, mas sem coerência formal.
Com o projeto para a Praça do Doutor José Vieira de Carvalho e arruamentos convergentes exprime-se exatamente a necessidade de conferir ao espaço de todos dignidade material e formal para além das questões funcionais e circulatórias, garantindo uma consolidação mais íntegra do centro da Maia. A unidade fez-se através da consciência da existência da fragmentação e, por esse motivo, a solução da intervenção promove não só o desenho urbano da praça, mas também o (re)desenho dos arruamentos convergentes.
O projeto define a praça como uma plataforma ampla e referencial, plena de potência simbólica e intencionalidade. A Maia teria finalmente a sua Praça-arquitetura, como Siena tem a Piazza del Campo, Lisboa o Terreiro do Paço e Berlim a Alexanderplatz e onde o conjunto dos Paços do Concelho e da Torre Lidador podem respirar, ordenando os principais eixos de circulação. O desenho estabelece os limites e a estereotomia do lajeado, pavimenta ruas e passadeiras, ordena o aparcamento ao ritmo da arborização, implanta papeleiras e luminárias, sinalização e sinalética, tampas, drenagens e armários, bancos e estatuária, paragens de transportes coletivos, uma fonte e outros signos que mais tarde serviriam de base à tipificação do desenho urbano da Maia.
O exercício de composição assemelha-se à ação do tecer, entrelaçando pequenos e grandes espaços, cosendo pequenos e grandes edifícios, enfim, construindo a casa de todos e, também, o tapete da sala de estar.