José Carlos Portugal
Da cidade
As infraestruturas da memória
A narrativa está quase no fim, mas não poderia ser fechada, contudo, sem considerar um certo retorno ao princípio, ao que está na base de todas as motivações da construção do centro da cidade. A par do grande desenvolvimento urbanístico da Maia, registado nas últimas décadas, e que certamente perdurará nas próximas, há, por um lado, um certo complexo de identidade causado pela inexistência de uma certa densidade urbana histórica – porque resultante de uma evolução lenta, por sobreposição de camadas e referências; por outro, a perceção genérica da “perda do centro, da imagem e dos limites” da cidade, isto é, os “traumas” e “medos” provocados pelo desreconhecimento dos novos territórios urbanos emergentes, pondo em causa o conceito de cidade que dávamos como adquirido. [PAVIA, Rosario, 1996]
É evidente que estes efeitos decorrem do facto dos processos de construção da cidade da Maia e do seu centro serem ainda muito recentes. E assim se explicam as preocupações com a arquitetura, com a representação do centro e da(s) forma(s) da cidade.
Tal como no caso anterior, mas numa escala completamente diferente, as rotundas do Lavrador e do Memorial da Árvore são também expressões contemporâneas da aplicação de um discurso simbólico nos espaços que aparentemente não pertencem à cidade, os “não-lugares” das infraestruturas de mobilidade.
São exercícios de ordenamento cuidado de espaços onde se adensam as tensões dos circuitos do automóvel e do peão, à escala local, no sentido da sua racionalização formal, através do desenho, símbolos e significados: 1) a Rotunda do Lavrador é simultaneamente um difícil exercício de compatibilização viária de múltiplos arruamentos convergentes e uma alegoria dos símbolos da Maia rural, numa espécie de composição descontextualizada; 2) já no caso da rotunda do Memorial da Árvore estamos perante um projeto de desenho urbano mais simples, que exacerba escultoricamente o tema da pavimentação para expor, num discurso metafórico, a oposição da obra da natureza à obra do Homem.
As duas intervenções são, como é suposto as arquiteturas serem, infraestruturas da memória da cidade.
Da arquitetura
O espaço, a velocidade e a rotunda… e os símbolos
As duas intervenções localizam-se em zonas críticas da estrutura viária da cidade. A Rotunda do Lavrador define-se no cruzamento de múltiplos arruamentos: Avenida António Santos Leite (novo eixo paralelo à antiga estrada nacional); Rua Augusto Simões (antiga estrada Porto-Braga), Rua de São Romão; Rua 5 de Outubro; Rua Joaquim Ferreira da Costa. O Memorial da Árvore encontra-se no entroncamento da Avenida António Santos Leite com a Rua Dr. Augusto Martins, garantindo ainda a articulação com a Rua Augusto Simões e o acesso à praça central da cidade. Ambas são rotundas, configurando cada uma os dois términos da avenida que as conecta.
Estas duas intervenções são, naturalmente, pela sua essência funcional, espaços-rótula em resposta aos intensos fluxos automóveis que, entretanto, se constituíram no território urbano e interurbano da Área Metropolitana do Porto. Com a aceleração do tráfego automóvel, a fluidez dos movimentos – cada vez mais velozes – justifica a forma das placas centrais nos espaços públicos preexistentes. A rotunda tornou-se, assim, num objeto de grande utilidade para o desenho das redes viárias, sobretudo nos cruzamentos, em que é determinante minimizar o congestionamento de veículos.
O pragmatismo funcional da rotunda tem fundamentação essencial na sua geometria: numa faixa em linha curva fechada sobre si mesma e conectada a uma rede linear. É esta condição que determina a sua aparência universal, sacrificando todo o espaço do lado interior da curva, porque potencia nele a ausência de qualquer significação. Podemos dizer que a rotunda se tornou num mal necessário para o desenho das redes viárias, mesmo no domínio do desenho urbano.
Contudo, sob a perspetiva do arquiteto, a necessidade deste elemento não pode colocar em causa a celebração da liberdade, a celebração do mundo através da poesia inerente aos símbolos. Nestes dois casos, os espaços-rotunda, celebram a significação do espaço, respetivamente, a memória da “atividade da Lavoura” e a “árvore-mãe”, uma espécie de parábola da vida humana.